O desenvolvimento do setor florestal brasileiro teve início na década de 1960, justamente como resultado de uma política pública federal de incentivos fiscais criada com o objetivo de solucionar o problema da falta de matéria prima para a indústria madeireira e reduzir a pressão sobre as áreas de floresta nativa. O incentivo fiscal durou entre os anos de 1966 a 1987 e foi o grande responsável pela formação da base de florestas plantadas no Brasil.
A partir da década de 90 deu-se início a um novo ciclo de desenvolvimento do setor florestal nacional. Se até então os plantios existentes foram de grande importância para o desenvolvimento de um mercado de produtos sólidos de madeira, com o desenvolvimento da tecnologia de processamento químico industrial madeireiro e crescimento da demanda mundial, se instalaram no Brasil novas fábricas voltadas ao processamento da madeira para produção de painéis e celulose.
Esse novo ciclo foi marcado pela canalização de montantes significativos de investimento ao setor florestal, tanto para a instalação de unidades industriais quanto para a ampliação das áreas de plantio. O capital injetado no setor teve origem tanto em investimentos nacionais (a exemplo de empresas como Klabin, Duratex, Eucatex, Suzano, Rigesa e Pisa), quanto internacionais (a exemplo de Champion, Tafisa e, posteriormente, Arauco).
Em um terceiro e mais recente ciclo de desenvolvimento do setor florestal brasileiro, cujo marco é a virada do milênio, se observaram dois fatos novos em nosso setor: a desverticalização de empreendimentos de base florestal, separando o negócio florestal do industrial, e a entrada de uma nova modalidade de investidores em florestas plantadas, as Timber Investment Management Organization (TIMO), empresas vinculadas a fundos de investimento de diferentes naturezas (fundos de pensão, fundos institucionais, fundos familiares, entre outros) cujo objetivo é aplicar e gerenciar investimentos em florestas. A entrada das TIMOs no Brasil foi de grande importância para o desenvolvimento recente do setor, pois trouxe ao país bilhões de reais em investimentos na cadeia produtiva de base florestal, gerando empregos e desenvolvimento. Hoje, tais instituições detêm cerca de 10% das florestas plantadas no Brasil.
Embora o desenvolvimento do setor florestal nos últimos 30 anos seja notório, desde o término do período de incentivos fiscais, no fim da década de 1980, não houve no Brasil uma política voltada especificamente ao seu desenvolvimento. Toda a evolução observada neste período foi, conforme descrito acima, resultado da visão empreendedora de grupos privados nacionais e internacionais. A contribuição governamental dada ao desenvolvimento do setor neste período variou de muito baixa a negativa, a exemplo da restrição imposta à aquisição de imóveis rurais por empresas de capital estrangeiro, em 2010, por meio da mera interpretação de uma Lei de 1971, outrora tida como inconstitucional. A Forest2Market do Brasil estima que pelo menos 20 bilhões de reais em investimentos foram afastados do Brasil desde então, graças à tal restrição.
No dia 01 de Janeiro de 2019 um novo presidente da república e um novo Congresso tomarão posse e, com isso, renascerá no setor florestal a esperança de que a próxima gestão executiva e legislativa de nosso país contribuirá para criar um ambiente propício ao desenvolvimento do setor ou, ao menos, não atrapalhará o seu desenvolvimento, como ocorreu no passado.
O que o setor florestal espera dessa nova gestão? Na opinião de Marcelo Schmid, diretor da Forest2Market do Brasil, as reinvindicações do setor estão bem detalhadas no “Plano Nacional de Desenvolvimento de Florestas Plantadas” divulgado (em caráter de consulta pública) no último mês de setembro, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Entre elas, se destacam 03 pautas cuja implementação já representaria um avanço significativo ao setor:
1. Definição de uma regra clara e nacional para o licenciamento de atividades florestais
O Brasil não possui uma lei específica que regulamenta o licenciamento ambiental, o que prejudica diversos setores e, em especial, o setor florestal. A resolução no 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) considera a atividade de “silvicultura” como potencialmente poluidora, ao lado de atividades como, por exemplo, fabricação de produtos químicos e outras atividades cujo risco ao meio ambiente é sabidamente maior. A resolução impõe a tais atividades a obrigatoriedade de desenvolvimento de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para seu licenciamento.
Como a responsabilidade pelo licenciamento de projetos florestais é estadual (segundo define a Lei Complementar 140/2011), cada estado brasileiro possui um entendimento distinto sobre o rito adequado do licenciamento de plantios florestais, variando desde estados onde o processo é muito simples e o EIA/RIMA não é exigido (a exemplo de Mato Grosso do Sul), até estados onde o processo é complexo, exigindo a apresentação do estudo (a exemplo de Rio Grande do Sul).
A exclusão da silvicultura como atividade potencialmente poluidora, além de tecnicamente plausível, acabaria com a exigência de apresentação do EIA/RIMA em qualquer estado, aumentando o potencial de atração de investimento para setor em todo o país, e não apenas em alguns estados que “peitam” a legislação federal por risco próprio.
Ter regras distintas para cada estado é ainda pior que uma regra geral ruim. Se a situação do licenciamento ambiental brasileiro gera insegurança jurídica para toda a indústria, no setor florestal, a insegurança é ainda maior.
2. Regulamentação da compra de terras por estrangeiros
A lei que regulamenta a aquisição de terras por empresas de capital estrangeiro é a Lei 5.709 de 1971 (exatamente, não é erro de digitação, a lei é de 1971).
O que acontecia no Brasil nesta época? Governo Médici, que marcou o auge da época de repressão (conhecida como “os porões da ditadura”) e o agigantamento do Estado, e de sua participação na economia, com a criação de aproximadamente 300 empresas estatais nesta década. Se a lei é um retrato dos valores da sociedade, percebe-se facilmente que muita coisa mudou desde então.
A partir de sua publicação, em 1971, a Lei 5.709 teve diferentes interpretações, porém, desde 1994 a Advocacia Geral da União (AGU) órgão consultivo da República Federativa do Brasil, considerava a Lei como não “recepcionada” pela posterior Constituição Federal, ou seja, inconstitucional.
Porém, em 2010, em um novo parecer, a AGU mudou suas interpretações anteriores, afirmando a constitucionalidade e validade da lei e impondo a restrição para a aquisição de imóveis rurais por empresas constituídas por capital majoritariamente estrangeiro.
A fundamentação do parecer dado pela AGU em 2010 traz diferentes justificativas como zelo à segurança nacional, combate à aquisição de imóveis para lavagem de dinheiro e biopirataria, entre outros aspectos todos satisfatoriamente regulamentados em nossa legislação e não fiscalizados pelo Estado. Por outro lado, como efeito prático, a nova interpretação dada pela AGU afastou do Brasil bilhões de dólares em investimentos, diante de tamanha insegurança jurídica.
A aprovação de uma nova lei, que regulamente a aquisição de terras por estrangeiros (trazendo ou não limites, desde que coerentes) é um item de grande importância para o desenvolvimento do setor, pois irá gerar mais segurança para investimentos estrangeiros que não terão apenas como garantia o retorno da venda da madeira, mas também o valor da terra nua. Tal mudança permitirá o direcionamento de investimentos tanto de fundos já presentes no Brasil quanto de instituições que nunca vieram para o país por conta da restrição, gerando impacto positivo em toda a cadeia florestal, pela criação de empregos, renda e desenvolvimento.
3. Política pública de fomento para pequenos produtores
Diferentemente da atividade agrícola, o prazo de retorno da atividade florestal é longo. No caso de grandes instituições como grupos da área de celulose, painéis ou TIMOs, o prazo de retorno é absorvido pelas próprias características do investimento. Porém, para pequenos e médios produtores os investimentos demandados pela atividade até seu retorno a tornam, muitas vezes, inviável.
Graças à falta de políticas neste sentido pequenos e médios produtores acabam por converter suas áreas florestais para outros usos, a exemplo do que a Forest2Market do Brasil vem observando na região central do Paraná, com a escassez da oferta de madeira de pinus. Esse fenômeno é preocupante para a indústria consumidora de matéria-prima.
O Plano Nacional de Florestas Plantadas, apresentado pelo MAPA, traz diversos meios para o desenvolvimento de políticas de fomento, entre eles a criação da Cédula de Crédito Florestal, o aprimoramento de políticas já existentes (como o Programa ABC e PRONAMP). A adoção de tais mecanismos é um aspecto estratégico muito importante para garantir a ampliação da base de florestas plantadas de forma descentralizada, ampliando seu potencial de contribuição ao desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
Embora todos desejemos e torçamos para que os pontos destacados acima (e os demais itens apresentados no Plano Nacional de Florestas Plantadas) sejam trabalhados pelo novo poder legislativo e implementados pelo novo poder executivo brasileiro, uma observação final é necessária:
O setor de base florestal se mostrou, de forma geral, bastante resiliente durante as crises econômicas que afetaram a economia nacional nos últimos dez anos. Obviamente, determinados segmentos, sobretudo aqueles voltados ao mercado doméstico, foram mais afetados durante a recessão interna, mas o desempenho geral do setor face a outros setores de nossa economia, mostra que o mesmo foi um dos menos afetados. Mais do que isso, o setor de base florestal teve resultados interessantes nos últimos anos mesmo sem contar com uma gestão governamental voltada à criação de melhor ambiente de negócios e estímulo ao mercado.
Todos torcemos e temos esperança de que a mudança da gestão pública nacional traga novos e bons ares para o setor e permita que os pontos ora destacados sejam implementados. Porém, caso isso não ocorra, não esqueçamos de que nosso setor foi suficientemente forte para sobreviver a muitos anos com pouco ou nenhum auxílio do governo federal e será capaz de sobreviver a mais quatro, mantendo sua contribuição para o desenvolvimento (sempre em bases sustentáveis) de nosso país.